3 de novembro de 2014

Câmara de Sorocaba homenageia almirante sorocabano que desmascarou atentado do Riocentro


A Câmara Municipal de Sorocaba homenageia nesta quarta-feira (05), a partir das 19h30, o almirante de esquadra reformado, Júlio de Sá Bierrenbach, de 97 anos, com o título de cidadão emérito. A solenidade será presidida pelo vereador José Crespo (DEM) e é aberta a todos os interessados. A banda regimental do 7º Batalhão da Polícia Militar do Interior participará do evento. Haverá transmissão pela TV Legislativa (canal 6 da NET).

Natural de Sorocaba, Bierrenbach mudou-se para o Rio de Janeiro ainda jovem, aos 16 anos. Em 1935, matriculou-se no curso preparatório da Escola Naval. Formou-se guarda-marinha, em dezembro de 1940.

O almirante ficou nacionalmente conhecido quando declarou, publicamente, enquanto fazia parte como ministro do Superior Tribunal Militar (STM), que o atentado do Riocentro, ocorrido na noite de 1 de maio de 1981, foi realizado pelo próprio exército. Nos dias seguintes à explosão, os próprios militares tentaram veicular a ação a "terroristas de esquerda".

Houve muitas pressões para que ele (Bierrenbach) assinasse essa falsa versão, mas ele não cedeu e como ministro do STM deu declarações contundentes sobre o caso. Com o seu gesto, mudou a história do Brasil (antecipou a queda do regime militar). Mas sofreu diversas represálias, durante muitos anos seguintes.

“Agora, Sorocaba vai reconhecer o valor desse seu filho”, ressaltou Crespo, o vereador proponente da homenagem ao almirante.


Biografia

JÚLIO DE SÁ BIERRENBACH

Nasceu em Sorocaba SP, em 8 de janeiro de 1917. Filho do engenheiro civil Júlio Bierrenbach Lima e da professora Júlia de Sá Bierrenbach. O nome do pai, patrono da importante Escola Estadual de ensino médio situada no Jd. Santa Rosália, foi entronizado em janeiro de 1971 pelo então prefeito José Crespo Gonzales.

Júlio Bierrenbach Lima, o pai, foi paulistano de nascimento, mas escolheu Sorocaba para dedicar-se à vida profissional. Aqui trabalhou como engenheiro na represa de Itupararanga, na Prefeitura e no Departamento de Água e Esgotos, hoje SAAE.

Em paralelo, lecionou no Instituto de Educação Dr. Júlio Prestes de Albuquerque, o “Estadão”, como professor de Matemática, e foi um dos fundadores da AEAS – Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Sorocaba.

Nosso homenageado, o Almirante, fez o curso primário no tradicional Grupo Escolar “Antonio Padilha”, e prosseguiu no Ginásio Municipal. Para continuar seus estudos, desejoso de ingressar na Marinha, deixou Sorocaba aos 16 anos de idade e em 1935 e matriculou-se no curso preparatório da Escola Naval, no Rio de Janeiro, onde foi aprovado em 1937, formando-se Guarda-Marinha em dezembro de 1940.

Nas vésperas da 2ª Guerra Mundial, da qual participou na defesa do litoral brasileiro e como encarregado das corvetas Jaceguai e Rio Branco, e no caça-submarinos Guaporé.

Demonstrando grande capacidade técnica, intelectual, e forte liderança, integridade pessoal, a partir dali fez uma das mais brilhantes carreiras militares da história do Brasil, chegando ao topo, como Almirante-de-Esquadra, em março de 1975.
 
Dois anos depois, em 1977, foi nomeado Ministro do STM - Superior Tribunal Militar, o que consagrou a sua biografia, como veremos a seguir. Júlio de Sá Bierrenbach pode ser definido, acima dos demais títulos e cargos que conquistou, como um Brasileiro que ama esta terra e esta gente. Um homem de princípios, que sempre fez a coisa certa, granjeando o respeito e a admiração de todos; mas, até em razão disso, alguns desafetos.

Embora nunca tenha feito política partidária ou se candidatado a qualquer cargo eletivo, acompanhou de perto os principais fatos políticos da segunda metade do século passado e tomou atitudes que foram determinantes para a construção democrática do país.

Em 1954, durante a crise surgida após o atentado de Toneleros, que resultou na morte do major-aviador Rubens Vaz, mas visava o líder oposicionista Carlos Lacerda, o então Capitão-de-Corveta Júlio Bierrenbach exigiu a renúncia do presidente Getúlio Vargas, numa assembleia do Clube Militar, no Rio de Janeiro.
 
No final de 1955, em defesa da legalidade e autorizado pelo Ministro da Marinha, Almirante Edmundo Amorim do Vale, embarcou no cruzador Tamandaré, junto com o presidente deposto Carlos Luz, para tentar estabelecer o governo republicano em São Paulo.

Adepto de Jânio Quadros nas eleições de 1960, obteve uma licença especial da Marinha durante os meses de maio a outubro e participou ativamente daquela campanha eleitoral, vencedora.

Em 1960, fez com louvor o curso da Escola Superior de Guerra Naval e em seguida, foi nomeado Assistente Naval do Estado da Guanabara, no governo de Carlos Lacerda.

Em fevereiro de 1962, utilizando um helicóptero do navio hidrográfico Sirius, foi o primeiro homem a desembarcar no topo da ilha norte de Martim Vaz, no oceano Atlântico, onde fincou a bandeira brasileira.

No final de 62, o então Capitão-de-Fragata Júlio Bierrenbach foi afastado do comando do Sirius por haver devolvido as insígnias da Ordem de Mérito Naval, que havia recebido com honras em 1959, em razão das mesmas haverem sido entregues também ao governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, a quem Bierrenbach considerava mau brasileiro e corrupto.

Júlio de Sá Bierrenbach nunca acreditou na proposta comunista, embora sempre tenha sido um legítimo democrata. Foi um dos militares que, em reação à escalada das esquerdas totalitárias, articulou o golpe militar de 1964 e, logo em 31 de março daquele ano, foi nomeado pelo Governador Ademar de Barros para comandar a Capitania dos Portos no Estado de São Paulo, missão que cumpriu com eficiência e humanidade, colocando interventores classistas de sua confiança nos sindicatos e reativando, sem violências, o porto de Santos, que estava paralisado em razão de greves prolongadas.

Mais adiante, comandou o I Distrito Naval, no Rio de Janeiro, até que, em maio de 1975, foi promovido a Almirante-de-Esquadra e assumiu a Secretaria-Geral da Marinha; em junho de 1977 foi nomeado pelo presidente Ernesto Geisel, ao cargo de Ministro do STM, tribunal de que chegou a ser Presidente em 1984 e aposentou-se em janeiro de 1987.

Júlio de Sá Bierrenbach exerceu o Superior Tribunal Militar no auge do governo militar, que estava cometendo vários acertos, mas também vários erros. Um desses erros, evidentemente, foram as prisões imotivadas e a prática de torturas. Júlio Bierrenbach, militar disciplinado mas acima de tudo um cidadão consciente e que sempre amou este país, nunca permitiu nem compactuou com isso.

Logo no seu discurso de posse no STM, corajosamente, declarou que “os presos políticos eram intocáveis e que os interrogatórios deviam ser conduzidos com inteligência e não com violência”. Três meses depois, durante o julgamento de Paulo José de Oliveira Morais, acusado de assalto a bancos e enquadrado na Lei de Segurança Nacional, denunciou, como Revisor do processo, as torturas praticadas contra o réu nas dependências do DOPS – Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro.

Mas a prova de fogo que confirmou a sua integridade pessoal e a sintonia entre o seu discurso e as atitudes que sempre tomou, viria a partir de 30 de abril de l981, no caso Riocentro. Naquela noite, véspera dos festejos de 1º de Maio, nas dependências do Riocentro, explodiu uma bomba no interior de um automóvel, matando instantaneamente um de seus ocupantes, o sargento Guilherme Pereira do Rosário, e ferindo gravemente o outro ocupante, o capitão do exército Wilson Machado. Foi aberto um inquérito policial militar para averiguar as causas.

Passadas várias semanas e estranhando a morosidade no andamento das investigações, o ministro Bierrenbach declarou que “enquanto os órgãos policiais não apurarem e não apresentarem elementos suficientes à Justiça Militar, os crimes de terror continuarão impunes”.

Finalmente, em 30 de junho, os responsáveis pelo inquérito entregaram o seu relatório, no qual afirmaram que os dois militares “teriam sido vítimas de uma armadilha cuidadosamente colocada no carro do capitão”, e em seguida o Exército pediu o arquivamento do processo, alegando falta de indicações de autoria.

Como obviamente esse relatório não convenceu muita gente, o caso acabou sendo enviado ao STM. Os ministros do Tribunal passaram a sofrer fortes pressões e até ameaças, do governo militar, e infelizmente, por maioria de 10 votos contra 4, acabaram decidindo pelo arquivamento do caso, uma nódoa que permanece até hoje na história nacional. Mas Júlio Bierrenbach não.

O Ministro Bierrenbach, enfrentando aquelas pressões e ameaças, fez o que a Ética e sua consciência mandaram: num parecer muito bem embasado em 52 laudas, discordou do resultado oficial e pediu a abertura de um novo inquérito.

Isso gerou uma grave crise entre o Tribunal e o Ministério do Exército, cujo titular, o General Valter Pires, estava a todo custo tentando encobrir a verdade. Pires desfechou vários ataques, alguns deles até pessoais, ao Ministro Bierrenbach.

Mas com a serenidade dos justos, o Brasileiro Júlio de Sá Bierrenbach apenas divulgou uma nota reiterando seu parecer e seu voto contra o arquivamento do falacioso inquérito e repudiando as críticas que recebera de Pires.

A última atitude pública e não menos importante de Júlio de Sá Bierrenbach, brasileiro de Sorocaba, aconteceu em novembro de 1982, após as eleições legislativas e para os governos estaduais, quando manifestou-se, com sua estatura moral e autoridade incontestável, pelo fim do regime militar e pela eleição direta à Presidência da República, com candidatos civis disputando o pleito. E foi isso exatamente o que aconteceu, nos anos seguintes.

Em resumo, esta é a trajetória de um sorocabano que tinha vocação militar, seguiu e venceu esse destino, sem nunca perder a sua consciência política como cidadão; atuando com firmeza e ética em todos os momentos; defendendo a legalidade e combatendo ideologias totalitárias, mas com escrúpulos humanos e cristãos; sacrificando-se por esses ideais e sofrendo ofensas e retaliações em consequência deles.

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