10 de dezembro de 2012

Legislatura 2009-12 termina com expressiva vitória contra esquema de tutela


TJ toma decisão histórica, em 7 de novembro de 2012, com acórdão confirmando a posição do vereador José Crespo (DEM) sobre leis impostas por Vitor Lippi (PSDB), aprovadas com a colaboração do referido esquema, para favorecer algumas (somente algumas) empresas instaladas em Sorocaba, especialmente a Toyota
 
A Lei Municipal 6.344/00, da ex-prefeita Diva Prestes de Barros Araújo, já foi uma lei estranha, um ‘cheque em branco’ que atentou contra as atribuições do poder legislativo, quando autorizou a Prefeitura a conceder descontos e até isenções de impostos (100% do IPTU, entre outras) para empresas em geral.

Nos primeiros anos de vigência dessa lei, houve coerência e seriedade na sua aplicação. Mas a partir do governo Vitor Lippi (PSDB), em 2005, ela passou a ser utilizada “indiscriminadamente”, favorecendo, apenas, as empresas “mais chegadas” ao poder, prática descoberta com o escândalo Daniel Leite.

O vereador José Crespo (DEM) tentou alterar o conteúdo dessa Lei 6.344/00, obrigando com que cada nova proposta de descontos ou isenções tivesse, necessariamente, que passar antes pela Câmara. Mas o esquema de tutela impediu essa alteração.

Logo em seguida, em 13 de outubro de 2009, o jornal Cruzeiro do Sul denuncia essa maquinação, sob o título “Paço dá incentivos sem divulgar contrapartida”. Com essa exposição indesejada e as críticas decorrentes, Lippi diminuiu a utilização da Lei 6.344/00. Mas logo depois o prefeito “engendrou algo muito pior”, sob o ponto de vista da ética e da probidade públicas, e veio à Câmara com o Projeto de Lei 506/09, que, em vez de oferecer “descontos” e “isenções”, inovou com a oferta de “incentivos” financeiros para algumas poucas empresas.

A criatividade dessa proposta era “simplesmente” dar dinheiro para algumas empresas, sem dar descontos ou isenções. Crespo levantou-se na Câmara contra essa “aberração”, mas, novamente, o esquema de tutela garantiu que a vontade do prefeito prevalecesse sobre o interesse público.

O Projeto de Lei 506/09 foi aprovado e sancionado na Lei 9.023, em 22 de dezembro de 2009. Embora não mencionasse a Toyota, a 9.023/09 ficou conhecida como a lei dessa empresa, pois visava beneficiar essa e apenas “grandes empresas” que viessem para Sorocaba, com valores adicionados do ICMS superiores a 100 milhões de reais.

No caso da Toyota, que já era uma realidade anunciada, o “presente” da Prefeitura seria pelo menos 750 mil reais por ano, durante 12 anos, totalizando 9 milhões de reais, ou seja, equivalente à construção de pelo menos mais 10 creches na cidade.

Crespo votou contra o Projeto de Lei 506/09. Nada mais podendo fazer a respeito dentro da Câmara, mas inconformado com esses planos do prefeito, o democrata recorreu ao Ministério Público (MP), logo no início de 2010. Essa representação caiu nas mãos do promotor Orlando Filho, que, após algumas semanas analisando, manifestou-se a favor do prefeito e da Lei 9.023.

Como é do “feitio dele”, Orlando Filho enxertou no texto diversos impropérios a Crespo, entre eles: “equivocado o representante; o que pretende o representante, subverte os princípios da divisão de poderes e o presidencialista; potencial usurpador da posição do representante; se atendido o representante, absoluto desgoverno; anarquista visão; à guisa de democrata, as interpretações do representante se contrapõem ao Estado Democrático de Direito; que dali para frente o representante se faça orientar melhor por advogados”.

Apesar de toda essa deselegância e verborragia, Orlando Filho foi obrigado a remeter aqueles autos à revisão do seu chefe, o Procurador Geral de Justiça, em São Paulo, que naquela época era o atual Secretário Estadual de Segurança Pública, doutor Fernando Grella Vieira. E foi aí que tudo começou a melhorar para o povo de Sorocaba: o início do “desmantelamento do esquema de tutela que aflige o poder legislativo local”. “Doutor Grella, após analisar o caso, desautorizou completamente Orlando Filho, adotou a posição de Crespo e entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo”.

Em 15 de dezembro de 2010, “num memorável acórdão”, o TJ publicou condenando a inconstitucionalidade da Lei 9.023, havendo sido relator o desembargador Boris Kauffmann. Perdeu a consultoria jurídica da Câmara, que “induzira mal os vereadores na votação do Projeto de Lei 506/09; perdeu o promotor Orlando Filho, incluindo suas pueris provocações; perdeu o esquema de tutela e perdeu o prefeito Lippi. Mas ganhou o povo de Sorocaba, economizando pelo menos 9 milhões de reais”.

Em seguida, “ficando sem saída”, o prefeito enviou à Câmara o Projeto de Lei 147/11, revogando a “malfadada Lei 9.023”. Parecia encerrada essa história. Mas não! “Inconformado” com a decisão superior da Justiça, que “felizmente ele não controla”, Lippi protocolou na Câmara, em 26 de maio de 2011, um novo projeto de lei, agora o 230/11. “Pasmem: tentando ressuscitar a Lei 9.023, e com isso, naturalmente, enganar a Justiça, com termos semelhantes e tentando atingir os mesmos objetivos”.

O esquema de tutela, “incansável”, rapidamente produziu na consultoria jurídica da Câmara um lacônico “parecer”, afirmando “nada a opor sob o aspecto legal”, a despeito das verdadeiras lições oferecidas no acórdão.

Então membro da Comissão de Justiça da Casa, Crespo protocolou um parecer em separado, contrário ao projeto 230, e argumentou isso na tribuna. Mas não conseguiu vencer ali, novamente, o esquema de tutela. Naqueles dias, sintomaticamente, os jornais estavam estampando notícias, vindas do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, no sentido da ilegalidade de projetos e de leis exatamente daquele tipo, por serem expressões da guerra fiscal (“comprar” a vinda de novas empresas à custa dos orçamentos públicos).

Foi aprovado o projeto 230 e, com isso, sancionada a Lei 9.671, em 20 de julho de 2011. Mas Crespo não desanimou e recorreu novamente ao MP, em 31 de agosto de 2011. Desta feita, diretamente ao Procurador Geral e não mais ao promotor Orlando Filho, “por motivos óbvios”.  “E novamente o doutor Fernando Grella Vieira agiu com perfeição: entrou com nova Adin no TJ, em 27 de março de 2012, que foi julgada em 7 de novembro de 2012, com um brilhante relatório do desembargador Roberto Mac Cracken, condenando a inconstitucionalidade também da Lei 9.671”.

“Com isso, associado ao melancólico final dos governos Vitor Lippi, parece improvável nova maquinação desse prefeito para favorecer aquelas empresas. Venceu definitivamente o povo de Sorocaba, e espera-se que o novo governo, de Antonio Carlos Pannunzio, apesar de ser tucano e eleito com o apoio de Vitor Lippi, abandone de vez essas tentativas ilegais e imorais contra a municipalidade”.

3 de dezembro de 2012

A questão das emendas parlamentares


A concepção prevalente até hoje é de Montesquieu, filósofo iluminista, no sentido de que a estabilidade política, a paz e a justiça social somente acontecem num Estado com três poderes equivalentes: Legislativo, Executivo e Judiciário. O Legislativo estabelecendo as regras, o Executivo executando essas regras e o Judiciário julgando conflitos de interpretação. Mais tarde foi estabelecida, especialmente nos Estados Unidos, uma legislação complementar de “freios e contrapesos” a cada um desses poderes.

A lei mais importante, entre todas, é a lei orçamentária, que significa como devem ser gastos os impostos coletados de toda a população. A função de Planejamento e a elaboração da lei orçamentária, em quase todos os países do primeiro mundo – que são parlamentaristas – cabe exclusivamente ao poder Legislativo.

Os Estados Unidos são o único país presidencialista onde o Legislativo manteve sua independência orçamentária, elaborando essa lei, que lá é impositiva (e não autorizativa, como no Brasil). No Brasil, infelizmente, a Constituição republicana baseou-se na americana, mas desequilibrou a relação de forças entre os três poderes, estabelecendo que é o Executivo quem elabora a proposta orçamentária e cabe ao Legislativo apenas “emendá-la”, se quiser. Além disso, no Brasil, “inventaram” que o orçamento é uma lei apenas autorizativa e pior: depois de aprovada, durante o exercício, o Executivo pode alterar o que quiser, por conta própria, até 20% do valor total.

Acostumado com esse poder exagerado, mas temendo alterações feitas pelo Legislativo, o Executivo “inventou” também, nos últimos 20 anos, um acordo político no sentido de amordaçar o Legislativo: os parlamentares não alteram o orçamento desejado pelo Executivo, e em troca recebem como “esmola” a possibilidade de aprovar emendas de importância secundária, de execução de pequenas obras e dotações para o terceiro setor.

Na troca de favores em que os governos se transformaram, impotentes para corrigir o básico, essencial, os parlamentares acabaram aceitando esse acordo, que se transformou num traço da cultura política nacional. Portanto, a questão é de natureza apenas Ética, não Legal.