TJ toma decisão histórica, em 7 de novembro de 2012, com acórdão
confirmando a posição do vereador José Crespo (DEM) sobre leis impostas por
Vitor Lippi (PSDB), aprovadas com a colaboração do referido esquema, para
favorecer algumas (somente algumas) empresas instaladas em Sorocaba,
especialmente a Toyota
A Lei Municipal 6.344/00, da ex-prefeita Diva Prestes de
Barros Araújo, já foi uma lei estranha, um ‘cheque em branco’ que atentou
contra as atribuições do poder legislativo, quando autorizou a Prefeitura a
conceder descontos e até isenções de impostos (100% do IPTU, entre outras) para
empresas em geral.
Nos primeiros anos de vigência dessa lei, houve coerência e seriedade na sua aplicação. Mas a partir do governo Vitor Lippi (PSDB), em 2005, ela passou a ser utilizada “indiscriminadamente”, favorecendo, apenas, as empresas “mais chegadas” ao poder, prática descoberta com o escândalo Daniel Leite.
O vereador José Crespo (DEM) tentou alterar o conteúdo
dessa Lei 6.344/00, obrigando com que cada nova proposta de descontos ou
isenções tivesse, necessariamente, que passar antes pela Câmara. Mas o esquema
de tutela impediu essa alteração.
Logo em seguida, em 13 de outubro de 2009, o jornal
Cruzeiro do Sul denuncia essa maquinação, sob o título “Paço dá incentivos sem
divulgar contrapartida”. Com essa exposição indesejada e as críticas
decorrentes, Lippi diminuiu a utilização da Lei 6.344/00. Mas logo depois o
prefeito “engendrou algo muito pior”, sob o ponto de vista da ética e da
probidade públicas, e veio à Câmara com o Projeto de Lei 506/09, que, em vez de
oferecer “descontos” e “isenções”, inovou com a oferta de “incentivos”
financeiros para algumas poucas empresas.
A criatividade dessa proposta era “simplesmente” dar
dinheiro para algumas empresas, sem dar descontos ou isenções. Crespo
levantou-se na Câmara contra essa “aberração”, mas, novamente, o esquema de
tutela garantiu que a vontade do prefeito prevalecesse sobre o interesse público.
O Projeto de Lei 506/09 foi aprovado e sancionado na Lei
9.023, em 22 de dezembro de 2009. Embora não mencionasse a Toyota, a 9.023/09
ficou conhecida como a lei dessa empresa, pois visava beneficiar essa e apenas “grandes
empresas” que viessem para Sorocaba, com valores adicionados do ICMS superiores
a 100 milhões de reais.
No caso da Toyota, que já era uma realidade anunciada, o “presente”
da Prefeitura seria pelo menos 750 mil reais por ano, durante 12 anos,
totalizando 9 milhões de reais, ou seja, equivalente à construção de pelo menos
mais 10 creches na cidade.
Crespo votou contra o Projeto de Lei 506/09. Nada mais
podendo fazer a respeito dentro da Câmara, mas inconformado com esses planos do
prefeito, o democrata recorreu ao Ministério Público (MP), logo no início de
2010. Essa representação caiu nas mãos do promotor Orlando Filho, que, após
algumas semanas analisando, manifestou-se a favor do prefeito e da Lei 9.023.
Como é do “feitio dele”, Orlando Filho enxertou no texto
diversos impropérios a Crespo, entre eles: “equivocado o representante; o que
pretende o representante, subverte os princípios da divisão de poderes e o
presidencialista; potencial usurpador da posição do representante; se atendido
o representante, absoluto desgoverno; anarquista visão; à guisa de democrata,
as interpretações do representante se contrapõem ao Estado Democrático de
Direito; que dali para frente o representante se faça orientar melhor por
advogados”.
Apesar de toda essa deselegância e verborragia, Orlando
Filho foi obrigado a remeter aqueles autos à revisão do seu chefe, o Procurador
Geral de Justiça, em São
Paulo, que naquela época era o atual Secretário Estadual de
Segurança Pública, doutor Fernando Grella Vieira. E foi aí que tudo começou a
melhorar para o povo de Sorocaba: o início do “desmantelamento do esquema de
tutela que aflige o poder legislativo local”. “Doutor Grella, após analisar o
caso, desautorizou completamente Orlando Filho, adotou a posição de Crespo e
entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo”.
Em 15 de dezembro de 2010, “num memorável acórdão”, o TJ
publicou condenando a inconstitucionalidade da Lei 9.023, havendo sido relator
o desembargador Boris Kauffmann. Perdeu a consultoria jurídica da Câmara, que “induzira
mal os vereadores na votação do Projeto de Lei 506/09; perdeu o promotor
Orlando Filho, incluindo suas pueris provocações; perdeu o esquema de tutela e
perdeu o prefeito Lippi. Mas ganhou o povo de Sorocaba, economizando pelo menos
9 milhões de reais”.
Em seguida, “ficando sem saída”, o prefeito enviou à Câmara
o Projeto de Lei 147/11, revogando a “malfadada Lei 9.023”. Parecia encerrada
essa história. Mas não! “Inconformado” com a decisão superior da Justiça, que “felizmente
ele não controla”, Lippi protocolou na Câmara, em 26 de maio de 2011, um novo
projeto de lei, agora o 230/11. “Pasmem: tentando ressuscitar a Lei 9.023, e
com isso, naturalmente, enganar a Justiça, com termos semelhantes e tentando
atingir os mesmos objetivos”.
O esquema de tutela, “incansável”, rapidamente produziu na
consultoria jurídica da Câmara um lacônico “parecer”, afirmando “nada a opor
sob o aspecto legal”, a despeito das verdadeiras lições oferecidas no acórdão.
Então membro da Comissão de Justiça da Casa, Crespo
protocolou um parecer em separado, contrário ao projeto 230, e argumentou isso
na tribuna. Mas não conseguiu vencer ali, novamente, o esquema de tutela.
Naqueles dias, sintomaticamente, os jornais estavam estampando notícias, vindas
do ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, no sentido da
ilegalidade de projetos e de leis exatamente daquele tipo, por serem expressões
da guerra fiscal (“comprar” a vinda de novas empresas à custa dos orçamentos públicos).
Foi aprovado o projeto 230 e, com isso, sancionada a Lei
9.671, em 20 de julho de 2011. Mas Crespo não desanimou e recorreu novamente ao
MP, em 31 de agosto de 2011. Desta feita, diretamente ao Procurador Geral e não
mais ao promotor Orlando Filho, “por motivos óbvios”. “E novamente o doutor Fernando Grella Vieira agiu
com perfeição: entrou com nova Adin no TJ, em 27 de março de 2012, que foi
julgada em 7 de novembro de 2012, com um brilhante relatório do desembargador
Roberto Mac Cracken, condenando a inconstitucionalidade também da Lei 9.671”.
“Com isso, associado ao melancólico final dos governos Vitor Lippi, parece improvável nova maquinação desse prefeito para favorecer aquelas empresas. Venceu definitivamente o povo de Sorocaba, e espera-se que o novo governo, de Antonio Carlos Pannunzio, apesar de ser tucano e eleito com o apoio de Vitor Lippi, abandone de vez essas tentativas ilegais e imorais contra a municipalidade”.